quarta-feira, 26 de maio de 2010

O Bardo - Capítulo 5


Capítulo 5 - Da escuridão, uma rosa

Uma garoa se iniciou enquanto James e sua instrutora começavam sua árdua escalada. O monte Heller, ponto mais alto do reino de Ibehria, um dente rasgando a tundra da planície. A trilha, se é que podia ser chamada assim, era anárquica, irregular. Pontos de apoio eram raros e enganosos. O progresso era lento. A umidade dificultava ainda mais, como se o próprio clima tentasse impedir a escalada. O céu, ao redor, de cinza tornava-se negro e, por duas vezes, relâmpagos cortaram o firmamento.

-James! Segure-se! Ande... com calma! A queda certamente nos mataria! Concentre-se!

O jovem fazia o melhor que podia. Suas mãos sangravam, seus pés doíam, as botas já rasgadas e ele sentindo o solo rochoso arranhar seus calcanhares. Mantinha a cabeça baixa, a respiração compassada. Estava encharcado, tremia de frio. Seu estômago reclamava de fome, mas tinham deixado os suprimentos para trás. Não poderiam escalar carregando muito peso. James levava apenas seu sabre, preso ao cinto, suas vestes e sua capa de viagem.

Progrediram mais vinte ou trinta metros, e, pelo Astro Rei, pensou o rapaz, aquilo não dava indícios de estar perto do fim. Sentia-se exausto fisicamente. Mas não era isso que mais o preocupava. Carregava um mau pressentimento. Um temor maior. Sentiu-se observado durante todo o percurso através da planície, antes de chegar na base da montanha. Era como se estivesse sendo seguido, vigiado. Mesmo ali, mesmo naquela situação, a sensação de olhos pesando em sua nuca lhe atormentava. Comentara isso com sua mestra, antes de a escalada começar. Conseguiu apenas palavras ríspidas, recomendando-lhe plena atenção apenas no ato de escalar em si. Recomendou que esquecesse tal sensação.

Mas não parava. Olhava constantemente por sobre os ombros, buscando sinal de seu perseguidor. A chuva aumentara, e sua visão agora alcançava apenas três ou quatro metros. Por quatro vezes tocou o punho do sabre, mas não o sacou, sabendo que seria repreendido por sua instrutora. Estava se sentindo uma criança assutada. Uma criança não conseguiria subir nem metade do que eu já subi, pensou. Preciso continuar. Finalmente verei meu pai. Finalmente poderei saber as verdades.

-James! Cuidado!

Uma fração de segundo salvou o garoto da morte. A flecha negra passou rente sua face, cortando uma linha abaixo do olho direito. O sangue lhe escorreu farto pelo rosto. Apoiou-se com o braço esquerdo no paredão de pedra, tentando visualizar seu oponente. Uma segunda flecha voou, cravando sua capa à rocha, mas sem ferí-lo. Sacou o sabre em posição defensiva. Ouviu uma gargalhada fria, mortal.

-Com que então o filho do famoso Rester é um pequeno cãozinho assutado? Eu esperava mais de você... mas, pelo visto, me enganei.

Um homem surgiu na trilha. Era alto e esguio. Tinha os cabelos longos, presos em uma longa trança, que lhe caía pelas costas. Caminhava levemente curvado. Tinha um bonito rosto, muito alvo, com nariz reto e penetrantes olhos negros. À cintura carregava uma sacola de linho, negra, de onde brotavam talvez duas dezenas de hastes negras, suas setas. Na mão esquerda portava um belo arco longo composto, de madeira negra e fosca, recoberto por runas que brilhavam num tom escarlate. Sobre o ombro direito via-se o cabo de uma espada, que estava embainhada às suas costas. Entretanto, o que mais chamava a atenção de James era sua armadura. Era como se as sombras ao redor cobrissem seu peito, coxas, canelas, ombros, braços e punhos. Parecia absurdo, mas a escuridão parecia oscilar ao redor do homem, tomando a forma de uma couraça.

-Quem é você, que ataca escondido? Não é homem o suficiente para mostrar o rosto antes do primeiro tiro?

O recém-chegado sorriu enquanto aguardava o garoto se livrar da capa, presa à rocha. Prendeu o arco nas suas costas, sacando a espada com a mão direita. Tinha a lâmina longa, recurvada, e seu cabo não possuía guarda. Uma espada exótica e letal, pensou James. O fio recurvado faria com que o corte fosse mais extenso. O jovem avançou um passo, hesitante. O sorriso no rosto do homem de negro alargou-se ainda mais, tornando-se quase grotesco. Já não parecia mais tão belo quanto quando chegara.

-Ora, ora, ora... então o filho de Rester me desafia... ah, e pensar que eu vivi pra ver isso... pois bem cãozinho, eu aceito. Vamos ver se há fibra em você, ou se é só mais uma marca na madeira.

O recém-chegado avançou com rapidez estonteante. James quase não conseguiu bloquear o golpe. A força do ataque deixou seu braço dormente. O homem de negro arremeteu com uma estocada, à curta distância, obrigando o garoto a girar de lado para não ser atravessado pela espada. O jovem tentou um contra-ataque circular, aparado com desdém por seu adversário, que avançou ainda mais, encurtando em muito o espaço para o combate.

-Como eu esperava, você é só mais um cãozinho que se sente seguro quando tem uma espada entre você e o alvo, mas que não sabe o que fazer quando sente o bafo da morte.

James foi atingido seis vezes. Seis potentes socos. Ombro esquerdo, dois nas costelas, abdome, queixo e rosto. Foi arremessado um metro para trás, batendo de costas no paredão de pedra. Estava tonto, a visão embaçada. Não entendia como alguém podia ser tão rápido. Mal enxergara o primeiro golpe. Tentou se reequilibrar, mas foi atingido novamente, por um chute em seu flanco direito. Cambaleou dois passos para o lado, vendo-se novamente muito próximo de seu oponente. Mais um soco e, se não estivesse apoiado à rocha, teria caído no chão. Mais uma gargalhada.

-Olha só... o cão ainda continua de pé... quase imprestável, mas de pé. É impressionante, impressionante... mas não é o bastante. Sua grande habilidade de Tocado é apanhar, apanhar e apanhar?

James levantou seus olhos prateados, encarando a negritude dos olhos do oponente.

-Se for necessário...

O jovem avançou, estocando. O adversário girou habilmente para a esquerda, ficando entre James e o precipício. O jovem tentou uma arremetida com o ombro, seguida de nova esquiva e novo giro, desta vez para as costas do rapaz, que golpeou com uma cotovelada. Novo giro, nova esquiva, e o oponente estava entre James e o paredão.

James sorriu, finalmente.

-Sabe, estranho, eu ainda estou aprendendo a controlar meu Seishin, e você acaba de me dar uma ótima oportunidade de treinamento.

A mão direita do rapaz permanecia erguida, na postura utilizada para desferir a cotovelada. A mão esquerda estava cruzada à frente de seu corpo, a palma aberta na direção do adversário. O homem de negro baixou os olhos na direção de um brilho que se formara entre os dedos do rapaz. A luz branca se expandiu, atingindo-o no abdome com potência suficiente para fazer seu corpo atingir a rocha, trincando-a atrás de si. Sentiu sangue encher sua boca e vazar por seus lábios. Sangue negro e viscoso, que escorreu até pingar e manchar o solo rochoso. Sorriu.

-Chega Leto! Já basta!

Ambos os adversários olharam para o precipício, de onde vinha a voz potente e grossa. Um cavaleiro, trajando couraça metálica da cabeça aos pés, jazia estático, como se caminhasse no ar. Empunhava, com uma única mão, uma espada enorme. O rosto era um enigma, coberto pelo elmo. Virou sua cabeça para o lado, parecendo olhar para a instrutora de James. A mulher tinha um leve sorriso no rosto.

-Não acha imprudente deixar o filho de Rester cruzar espadas com esse inconsequente, Lady Saddler?

A mulher cruzou os braços frente ao corpo, deixando a cabeça pender um pouco para a direita, em uma atitude um tanto charmosa.

-Ele precisa aprender, Draco. Você, mais que ninguém, sabe que a experiência vem apenas por meio das lutas nas quais arriscamos a vida. E bem sabemos que Leto é um oponente muito interessante. Letal, eu diria.

James pareceu confuso por um instante, mas apenas isso. Postou-se com retidão, embainhando seu sabre, e viu seu oponente fazer o mesmo com sua espada. Ambos se encararam.

-Ora, ora, ora... então, filho de Rester, até que você não é de todo ruim... tem potencial. Eu sou Leto, e trabalho pro seu velho faz um certo tempo. Foi um imenso prazer participar de forma tão ativa no seu aprendizado.

Os olhos prateados pareceram sorrir, embora o jovem mantivesse o semblante sério.

-O senhor é muito bom no que faz, senhor Leto. É muito rápido e ágil. Obrigado pela oportunidade ímpar - havia uma certa ironia em sua voz, mas, se foi percebida, não foi retrucada.

O cavaleiro caminhou até a encosta rochosa, tocando o solo com suas botas. Postou-se à frente do jovem, parecendo encará-lo.

-Vamos, jovem amo. Lorde Rester o aguarda.

Os quatro caminharam, a subida parecendo mais fácil. James suspeitou que seria por alguma manipulação do Seishin empregada pelo cavaleiro. Alguns minutos depois, avistaram um templo. Parecia um pequeno forte, com um muro alto e três torres craneladas. Parecia moldado à partir da rocha bruta, como que recortado na encosta da montanha. O cavaleiro fez-se ouvir mais uma vez.

-Bem vindo, jovem amo. O Alto Lorde o esperou por muito tempo.

E, lá atrás, na trilha, onde o sangue de Leto manchou o solo, brotou uma rosa de pétalas negras. Mas isso não foi visto por nenhum deles.

Continua...

5 comentários:

Rodolfo disse...

Realmente, ficou um pouco longo. Perdão. Vou tentar manter uma regularidade nos próximos.

Obrigadão pelo apoio!!

Marcus disse...

Po acho q ficou mto bom...
a batalha ta mto bem descrita...
Parabéns cara...

Sayu disse...

eu adoreeei a descrição do leto *-*

Rodox disse...

@Marcus - Valeu o apoio cara, brigadão!
@Sayu - Rsrsrs, eu imaginei que iriam gostar de Leto... ele é bastante inspirado em dois personagens de Fúria de Titãs (conceitos, na verdade) e em um personagem do livro "O Arqueiro"!

tainara elektra disse...

muuuuuuuuuuuuuuito bom mesmo
gostei muito da descrição
=)

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