domingo, 18 de abril de 2010

O Bardo - capítulo 1


Capítulo 1 - A estranha da Lira

Com sete anos, James Albright era, definitivamente, o garoto mais deslocado no Conservatório Mordecai. Seus cabelos e olhos cor de prata eram apenas um sinal externo que o tornava diferente das outras crianças e adolescentes. Introspectivo e um bocado selvagem, o menino se mantinha e era mantido distante dos outros.

Tinha arrumado sua primeira briga e, enquanto corria por cima do largo muro de pedra que isolava o conservatório do mundo, um filete de sangue escorria de seu nariz. Tinha um sorriso um pouco raivoso no rosto, ao se lembrar de como o garoto havia falado mal de sua mãe. Seu nariz podia até estar escorrendo sangue, mas o garoto teria vergonha de sorrir sem seus dentes da frente.

Parou de chofre quando viu Aviharas, um dos professores do conservatório. O velho, de longas barbas brancas e manto negro pesado, o obervava do chão, no jardim posterior. Jim sempre estacava, quando seu velho mentor lhe olhava com aqueles olhos. Fundos e negros. Parecia que aquele velho homem sabia algo sobre o garoto que este nem mesmo conseguia suspeitar.

Desceu da muralha, andando devagar, hesitante, até a figura do velho Aviharas. Era um homem muito alto, ainda mais para o pequenino. Apesar de idoso, tinha a musculatura definida de quem, quando jovem, fora talhado por exercícios e treino diário. A cabeça não tinha mais cabelos, e, em toda a extensão de seu corpo que não estava coberta pelo manto, viam-se pequenas veias sob a pele. Aproximou-se do velho, que caminhou até o portão traseiro, passando por baixo de um arco de pedra tão alto quanto dois homens.

-Quem começou a briga? - perguntou, sem se voltar para o garoto.

James encarou o chão, enquanto caminhava, acompanhando seu velho mestre. Aguardou um momento, indeciso. Viu seu mestre sentar-se em uma pedra grande, de topo plano, e tirar de dentro de seu manto uma flauta de prata. Seus olhos se encontraram com os dele, e o menino não conseguiu mais se conter.

-Fui eu, tá bom! Fui eu! Antoine disse que minha mãe... disse coisas ruins... e eu bati nele e ele me bateu! E depois corri e subi no muro... e... e... é isso...

O velho então começou a soprar em sua flauta, e uma bela melodia encheu os ouvidos do menino. Era a mesma coisa, sempre que Aviharas criava sons com seu instrumento. O jovem, quando ouvia tais músicas, sentia como se pudesse vê-las. Cada história não contada as quais as notas serviam como pano de fundo. Sentou-se aos pés do velho mestre e ficou a absorver as notas.

-O que está esperando? Nunca aprendeu escutando, afinal. Me acompanhe, ande.

Tímido e arrancado de seu momento de transe, James tirou de sua túnica uma flauta tosca de madeira e começou, bem devagar, a tirar dela alguns sons. Em princípio, sofríveis, mas depois notas afinadas, acompanhando, com esforço, a melodia que preenchia o ambiente à sua volta.

James jamais soube quanto tempo se passou enquanto ele e seu velho mentor liberavam no espaço vibrações sonoras que traduziam sensações, sentimentos, memórias. O menino não fazia idéia do que as notas significavam para seu mestre, mas para ele eram seus pais ausentes, o isolamento das outras crianças, as horas de treinos e as lembranças de um rosto lindo e carinhoso, lhe ninando. Achava que as últimas memórias tinham sido inventadas por sua cabeça.

Sentiu a ausência dos sons que Aviharas produzia e abriu seus olhos, parando ele também de tocar suas notas. No horizonte gramado, com esparsas macieiras e carvalhos, caminhava uma figura de capuz, capa e manto. Parecia carregar um fardo às suas costas e caminhava com o apoio de um bastão de madeira. Andava com retidão e, mesmo ao longe, suas roupas pareciam castigadas pelo tempo.

Ambos observaram atentamente enquanto enquanto a figura se aproximava, caminhando em um ritmo lento. Sem notar, James adiantou-se, menos hesitante do que seu mestre esperaria que ele estivesse nessa situação. Não era incomum a presença de desgarrados nas paragens, principalmente em um local tão ermo quanto as terras do norte, onde ficava o conservatório. Aviharas achava estranho que um desgarrado caminhasse com tamanha postura.

James venceu os últimos metros até a figura correndo. Nunca soube exatamente por que, mas sentiu uma vontade, uma familiaridade muito grande com aquela pessoa misteriosa. O viajante, com o capuz escondendo boa parte de seu rosto, parou à uma distância de cinco passos do garoto. Jim também parou, inseguro. Tinha corrido até ali por impulso, e pensou no que poderia acontecer se fosse um desgarrado qualquer.

Das longas mangas da túnica uma mão, muito alva, levantou-se e ergueu o capuz, revelando o rosto de uma mulher jovem, talvez com trinta e poucos anos. Sua pele era branca como a luz pura da manhã. Seus cabelos caíam até seus ombros, trançados em vários padrões, e eram prateados como os de James, brilhando à luz do Astro Rei. E, quando seus olhos e os do garoto se cruzaram, foi como o encontro de dois espelhos de prata.

-Olá pequeno. Acho que finalmente alcancei o conservatório. - sorriu - Acha que poderia me arranjar um gole de água? Meu cantil secou faz dois dias.

Alguma coisa na voz da mulher era pura música, e James perdeu qualquer resquício de medo. Caminhou com a estranha até seu mestre, que havia permanecido sentado sobre a pedra de topo plano. Parou, com espanto, quando o velho Aviharas tornou a tocar sua flauta e a estranha sentou-se na grama, de frente para o velho, retirando o embrulho de suas costas. Desenrolou os panos e cordames cuidadosamente.

O conteúdo era uma bela lira, também de prata, com as cordas mais bonitas e reluzentes que o menino já havia visto na vida. Sorriu e entrou correndo no conservatório, para conseguir água para a visitante, ouvindo a linda música que se criava no misturar harmônico do sopro e das cordas.

Correu tão afoito que não viu a troca de olhares da estranha com seu mestre, nem ouviu o comentário que se seguiu.

-Finalmente eu o encontrei, Aviharas. Demorei sete anos para achá-lo. Mas não vou cometer o mesmo erro duas vezes. Rester jamais me perdoaria se eu deixasse de educar seu filho para os tempos que virão.

O velho Aviharas assentiu com a cabeça em um aceno curto, sem parar as notas de sua flauta. Em seu íntimo, sabia que esse dia chegaria. Tinha se afeiçoado ao rapaz, mas entendia que ele não era um garoto comum. Carregava os olhos e os cabelos dos Tocados. E os Tocados eram especiais, dignos de grandes feitos.

Para o bem ou para o mal, mas sempre grandes feitos.

E, de repente, Aviharas viu o quanto estava velho. Sua época de aventuras, viagens e maravilhas havia passado. Dirigiu suas preces ao Astro Rei, desejando a salvaguarda e a proteção do pequeno Jim. E que o caminho daquele garoto fosse guardado.

-Sim, será - disse a estranha da lira.

continua...

4 comentários:

Marcus disse...

Como sempre cheio de mistério e um gostinho de quero mais...
reparei na homenagem a HPotter 1, mas mesmo assim mto bem colocada.
continue assim...

Rodolfo disse...

@Marcus - Ah muleque! sabia que tu não ia me desapontar! Reparou muito bem na homenagem! Hehehehehehehehehe Salve Salve HP1!!!

Sayu disse...

faz tanto tempo que li HP1 XD gostchei!

tenho um capítulo de coisa pra te mandar :B

Rodolfo disse...

@Sayu - Que bom que gostou! ^^

Opa! Sério!!! Show, vamos conversar melhor sobre isso (querendo colocar os olhos no material!!! XD)

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